AUTÓFAGO É O HOMEM OU ANIMAL QUE SE ALIMENTA DA PRÓPRIA CARNE
Ficha Técnica
Produzido por Renato Villaça
Co-Produzido por Makely
Direção Artística: Makely e Maísa Moura
Projeto Gráfico: Bruno Brum
Foto: Gisele Moura
Co-Produzido por Makely
Direção Artística: Makely e Maísa Moura
Projeto Gráfico: Bruno Brum
Foto: Gisele Moura
entre julho de 2005 e outubro de 2006
Mixado por André Cabelo, Renato Villaça e Makely
Masterizado por André Cabelo
Telefax 55 31 3223 5618Cel 55 31 9618 4561
www.makelyka.com.br
Texto de apresentação do disco
Este cd é apenas o suporte do seu conteúdo, que é o que realmente importa: a música. No início a música existia apenas durante o tempo de sua execução. Não era palpável. A única forma de armazenamento era a memória, assim como a poesia que também era música antes da escrita. Hoje cada vez mais a música é menos palpável mais uma vez. O armazenamento continua sendo a memória, mas agora ela é mais inorgânica – de silício - e cada vez mais coletiva. Entre samples e bytes, a música se autoconsome e volta às suas origens. Por isso este cd pode ser copiado e distribuído pelas pessoas de bem, sem qualquer restrição, desde que seja feito de forma gratuita, assim como faziam os aedos na grécia antiga e os cantadores no nordeste brasileiro algumas décadas atrás.
Pode ser baixado na íntegra, inclusive com o encarte, no endereço: www.makelyka.com.br/autofago
O que já disseram:
Makely Ka – a fome da karne
por Marcelo Dolabela
O exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil em Londres em 1969 deu por encerrado o momento da Tropicália e abriu um fosso na história da experimentação sonora na música brasileira. O que viria substituir essa revolução? Até meados da década de 1970, algumas respostas surgiram: Walter Franco, Secos & Molhados, Sá – Rodrix & Guarabira, Raul Seixas, Belchior, Raimundo Fagner, Alceu Valença, entre outros. Mas a melhor resposta sairia das próprias lides tropicalistas. Gal Costa aglutinou vozes dispersas e estabeleceu o que alguns críticos e historiadores da MPB designaram de Pós-Tropicália: Jards Macalé, Waly Sailormoon, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Pitti, Lanny Gordin, Rogério Duprat e Os Novos Baianos. Continuação e ruptura em um mesmo lance de dados.
Somente dez anos depois, a música brasileira veria um momento tão inovador e revolucionário, com o surgimento da chamada Vanguarda Paulistana. De Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Eliete Negreiros, Paulo Barnabé & Patife Band, Robinson Borba, Hermelino Nader, Premeditando O Breque, Rumo e Língua de Trapo.
Novamente a experimentação era a tônica dominante. Experimentar com: texto, melodia, ritmo, harmonia, arranjo, interpretação e instrumental.
A Vanguarda, assim como a Tropicália, organicamente, teve vida curta. Em menos de cinco anos, seus artífices se dispersaram: contratados por majors, abandonando a dicção radical, incorporados a “falsa” linha evolutiva da MPB.
As contribuições não foram poucas, mas ficaram, quase sempre, como influência aqui e ali e não como linguagem.
Nos últimos dez anos, foram surgindo intérpretes e compositores que efetivamente estabeleceram uma espécie de Pós-Vanguarda Paulistana.
O cantor, compositor, instrumentista e poeta Makely Ka é, sem dúvida, nome de destaque nessa nova cena.
Seu mais recente álbum – “Autófago” – é um bom exemplo de como os paideumas da Tropicália e da Vanguarda Paulistana foram relidos e ampliados em uma poética doce-amarga dylan-leminskiana sobre base ruído-lírica entre samplers e microfonias.
Em um primeiro momento, ao ouvir o CD-suporte, como Makely designa no minimanifesto “abpd a pqp”, o que surge em primeiro plano é o trabalho poético com o texto: rimas enviesadas (males / maxilares; tenso / sonso; crítico / prático; vítima / síndico; santo / cancro; crédito / médico; fibra / diga, etc.), afinal, na faixa “Não se meta”, Makely já avisa: “eu rimo a torto e a direita”; falsa-técnica palavra-puxa-palavra; estrutura anafórica (eu não sou... / eu não sou...; estou aprendendo... estou aprendendo...); e, principalmente, temas retorcidos: o cotidiano canabalizando a metafísica; a metafísica, em (auto)fagocitose situacionista (em “Equinócio”: “Um átomo dentro da esfera / gera um sistema que gira...”). As melodias trazem um batuque psicodélico, uma espécie de Hendrix executando uma cuíca digital. Às vezes, a troca de instrumentos amplia essa levada: o contrabaixo soa como guitarra; a repetição vocal, como percussão; e a multiplicidade percussiva, com recorrência e loop mântricos. Entre texto, sonoridade e voz, os samplers sutis funcionam como desvios subliminares (Glauber Rocha, no programa Abertura; Hugo Chavez, na Onu; Subcomandante Marcus, no México. Maiakovski, na União Soviética).
O resultado é vigorosamente pop-experimental. Pop-linguagem; pop-Prometeu que permuta temperatura de mundos díspares e produz efeitos ímpares, na concepção Duchamp-Warhol-Zappa.
Makely é o “Ka”ra (khlebnikoviano) nesse cara-e-coroa. Entre o volátil pop e o inflamável experimental. Entre o mutável e o permanente. Autófago, não da própria espécie, mas da improvável “fome”.
Marcelo Dolabela é poeta, jornalista, pesquisador, escritor e crítico de música,
autor do ABZ do Rock Brasileiro e Amonia, entre outros
Contundência necessária
Makely Ka transforma em música sua poesia elétrica e desafiadora
Publicado no jornal Estado de Minas de 19 de junho de 2007
por Kiko Ferreira
Quem conheceu Makely em incursões poéticas, assembléias de músicos, performances e e-mails instigantes, sentiu falta, nos dois primeiros trabalhos, da virulência e da postura sempre afiada comum às suas comunicações e expressões públicas e privadas. O primeiro, o coletivo A outra cidade, era dividido com Pablo Castro e Kristoff Silva e andava em paralelo com o fundamental projeto Reciclo geral, que revelou uma geração de artistas mineiros. Já A Danaide foi uma parceria com a cantora Maisa Moura e parecia um passeio pelo lado Dr. Jeckyll do Mr. Hyde da música feita em Belo Horizonte.
Autófago, o disco, é Makely em seu território: poético, elétrico, desafiador e afinado com sua história de transgressões conseqüentes. Já na faixa que dá nome ao disco ele se posiciona: “Eu me alimento da carniça do meu pensamento/e me oriento por ecos e condicionamento/ meu amuleto são os ossos com que me sustento”. Formado por leituras e audições várias, que incluem Leminski, Torquato Neto, Wally Salomão e Chacal, Makely declara em Reator, entre confissões de boemia e carne em flor: “Eu fiz da poesia minha ambrosia/ meu sustento, meu amor.”
Produzido pelo domador de relâmpagos Renato Villaça, outro autor de méritos e movido a desafios, o disco foi gravado no Estúdio Engenho, pilotado por um experiente dinamitador de peso, André Cabelo. O trio Makely/Villaça/Cabelo extrai a estranheza necessária para que a poesia tenha a clareza desejável para ser compreendida, sem parecer didática ou recitativa.
“Destravem seu maxilares”, ordena o poeta na faixa de abertura, “desliguem seus celulares”, minutos antes de soar o sucessor de Arnaldo Antunes em Eu não, questionadora de identidades. Assumidamente perturbado pela cidade, ele abre Cérebro na Cuba, com célebre fala de Glauber Rocha, colocando a cara a tapa no programa Abertura, e confessa o estilo inquieto e briguento.
Vitaminado
De repente, no meio da fita, o vigor dá lugar à malícia crítica em Punk de butique, sobre “um moleque de reebock, completamente lock de araque”, seguida de um rock quase punk, sem ser de araque, Não se meta, com fala de Hugo Chávez na abertura e rima sexualmente explícita na conclusão. Meio mutante, com voz processada de Patrícia Rocha e bateria de Antônio Loureiro conduzindo o ritmo, Equinócio cheira a ciência poética, enquanto Endoscopia retoma a questão da identidade pela via da pluralidade de sons, etnias e geografia interplanetária. Hit nos shows, o coco Sorôco inaugura a reta final com pegada nordestina. Famigerado apresenta a voz de Maísa Moura cobrindo a faixa de delicadeza , antes que as guitarras assaltem a cena.
Mais discussão de liberdade, mais política. A outra cidade traz fala do subcomandante Marcos, gravada na cidade de Toluca, México, em 2001, abrindo caminho para o mais implacável retrato musical que BH já recebeu, com o refrão implacável: “E o Arrudas continua cinzento e cheirando mal”. Mudando de ribeirão para planeta, Plutão, com suas cordas e canto arrastado, poderia estar no Araçá azul de Caetano ou no Aprender a nadar de Macalé. Para terminar, a faixa bônus O meteoro evoca o poeta russo Maiakóvski, detonando pessoalmente a poesia depois de sintomáticos dois minutos de silêncio.
Autófago apresenta, além de qualquer consideração ou juízo de valor, conjunto consistente de idéias bem-alinhavadas. Característica rara num cenário repleto de melodias sem vitaminas, letras sem consistência e obras sem conceito. A Makely o que é de Makely. Com todos os louros e riscos.
Kiko Ferreira é jornalista, escritor e crítico de música.
Publicou os livros Solo de Kalimba e Beijo Noir, entre outros.
Vice-presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub)
e diretor artístico da Rádio Inconfidência.
CD do poeta Makely Ka traz nova linha musical
Em seu mais recente trabalho, “Autófago”, o compositor mineiro apresenta 14 novas músicas autorais onde “as canções estão a serviço da poesia”.
Publicado no Jornal O Tempo de 25 de março de 2007
por Daniel Barbosa
Plural talvez seja o adjetivo mais apropriado para definir o trabalho do poeta e compositor Makely Ka. Reconhecido por trabalhos como o livro "Ego Excêntrico", de 2003, e os discos "A Outra Cidade", que gravou ao lado de Pablo Castro e Kristoff Silva em 2003, e "A Danaide", com a cantora Maísa Moura, lançado no ano passado, ele agora lança um novo CD, que, intitulado "Autófago", é completamente distinto dos álbuns anteriores.
É o próprio Makely quem justifica essa distinção: "Não tenho nenhum compromisso com estilo ou escola. Não me sinto obrigado a continuar fazendo o mesmo tipo de música que fiz nos discos anteriores. As pessoas até esperam esse tipo de continuidade, mas realmente não tenho compromisso nenhum com ela".
Makely classifica as 14 músicas autorais registradas em "Autófago" como "mais diretas" e considera o disco mais tosco e agressivo. Sem que seja, contudo, menos elaborado.
"Acho que no "A Outra Cidade" tem uma coisa forte de harmonia mineira e tem minha presença mais como letrista. No "Danaide" tem um tratamento de timbres mais acústicos, com melodias mais elaboradas. No "Autófago" eu não estou preocupado com melodias bonitas ou harmonias complicadas. É meu lado musical mais direto", diz, acrescentando que o foco está na poesia.
Nesse sentido, ele observa, o novo álbum se relaciona mais com "Ego Excêntrico" do que com seus outros discos.
"É um trabalho em que a palavra está muito destacada. As canções estão a serviço da poesia, mas não se trata de poesia musicada, são canções que têm uma linguagem mais direta. Da mesma forma, a poesia ali também é mais direta e mais combativa", diz.
Makely ressalta que "Autófago" é um disco em que ele se posiciona politicamente, mas sem ser panfletário. Esse posicionamento se relaciona tanto com a autonomia com que o trabalho foi feito, quanto com referências do punk rock que ele resgatou de sua adolescência.
Daniel Barbosa é jornalista e crítico musical
Autófago na Rua
por Ludmila Ribeiro
Um “pop” que suporta o peso da poesia crítica de Makely Ka. Autófago traz essa revelação. Makely na evolução de sua carreira solo, construída com base em experimentações e em produtivas parcerias. Pop que não é raso, não tem pressa. Expressa com letras e ritmos todo o anseio do lado de dentro, de quem segue o caminho tortuoso desse amplo mundo vindo com o novo tempo que ele avista, compreende e critica.
Aposta no suporte simples que sustenta e valoriza sua rima. Música a favor da poesia, poesia a serviço da música. Arte convidando a uma ‘Endoscopia’, a um posicionamento – aversão à mídia vazia, à apropriação ilimitada das informações.
Infinidade de possibilidades. A criação de Makely Ka se apropria bem disso e não é apenas isso. Na esteira dos artistas que vieram antes e registraram a emoção de uma época em princípio de transição – aí se encontra Torquato Neto, Jorge Mautner, Wally Salomão, Paulo Leminski e outras referências inerentes – “Autófago” vem dizer do seu tempo, do processo “auto-digestivo” de informações tantas e diversas existentes e presentes na obra musical de Makely Ka.
Prática de autofagia (ponte de) música de sentidos, trilha que leva o círculo ao espiral – caminho de ida às voltas. Poeta do dia-a-dia na realidade vazia. Diálogo na era da surdez coletiva, convite para explorar a diversidade brasileira nas letras e melodias, ambas de sua autoria. Recortes e fragmentos, retratos musicais deste nosso novo tempo velho em idade, zerado em referências, perdido entre as leis reguladoras e a liberdade esfuziante das novas tecnologias. Dinâmico e coeso, “Autófago” transita em conflito e harmonia com esse tempo.
Makely, aquele que canta, compõe, escreve, se auto-produz, multiplica ações, encara e confronta o contexto, se impõe na dureza, se faz entender pela clareza de sua expressão. Em versos e canções, experimentando formatos e planos de ação Makely evoluiu no seu discurso e finalizou um produto cultural irretocável. “Autófago” está na rua.
Ludmila Ribeiro é jornalista e escritora.
Os Novos Mineiros
Publicado na Carta Capital de 15 de fevereiro de 2008
Por Pedro Alexandre Sanches
Situada em algum ponto indeterminado entre a bossa nova carioca, o clube da esquina mineiro e a vanguarda pop-erudita paulista, uma nova geração musical consolida-se em Minas Gerais , ao redor de cantores/compositores/músicos como Kristoff Silva e Makely Ka.
Kristoff apresenta Em Pé no Porto, que logo de início aborda poeticamente a nostalgia do mar que Minas não possui (Você pode morrer de sede tanto no mar/ quanto no deserto, relativiza Mar Deserto). O CD parece se distanciar dos círculos de influência de Milton Nascimento à mesma medida que se declara apaixonado pela retórica concretista de artistas radicados
Algo aparecido acontece em Autófago, de seu parceiro Makely Ka, embora aqui o rock (paulista, em larga medida) apareça de modo mais demarcado. O vínculo com a MPB culta, às vezes excessivamente elitizada ao gosto paulista, sobressai nas letras simbolistas, repletas de imagens.
Num caso como no outro, resultam discos sérios, formalistas, que se beneficiam de certos momentos mais descontraídos e do canto suave e seguro dos artistas. Quando atingidos, esses instantes mais relaxados (e até mesmo “pop”) fazem lembrar a letra reverente de São, composta pelos dois: Essa parceria aproximou o centro da periferia/ o erudito e o popular/ a rua da academia.
Pedro Alexandre Sanches é jornalista, escritor e
crítico musical, autor dos livros “Decadência Bonita
do Samba” (Boitempo 2000) e “Como Dois e Dois
São Cinco” (Boitempo 2004)
Autofagia Gratuita
Publicado em www.poesilha.blogspot.com dia 20 de abril de 2007
por Marcelo Sahea
Makely Ka é um dínamo (Makely Mákina?). No seu universo o tempo é relativo. Ele passa pro lado de lá, faz mil e uma coisas e retorna no segundo seguinte como se nada tivesse ocorrido. Enquanto você pensa que ele está matutando algo, ele já vem com o produto finalizado. E sempre coisa boa.
A nova: ele acaba de disponibilizar em seu blogue todas as faixas de seu mais novo (e excelente) cd, AUTÓFAGO. Antes do lançamento oficial. O encarte também pode ser baixado para que você possa montar o seu cd
Tá esperando o quê pra ir lá?
Marcelo Sahea é poeta e designer gráfico,
autor de Leve (Indepependente /2006)
e Carne Viva (Independente /2003), entre outros
Autófago
Publicado no site www.tangara.net
por Alfredo Lorenzo
Primer disco en solitario del dinámico poeta, compositor e instrumentista Makely Oliveira Soares Gomes (Valença, Piaui, 1975) radicado en Belo Horizonte.
Perteneciente a la generación del "Reciclo Geral", muestra en este trabajo una nueva faceta, más enérgica (hasta ahora solamente conociamos la más melódica, a través de sus colaboraciones con cantantes) entre
Sobria y efectiva producción del joven Renato Villaça.
Alfredo Lorenzo é diretor da Distribuidora Tangará,
sediada em Barcelona e uma das mais importantes divulgadoras
de música brasileira na Europa
Rádio Pirata
Publicado no Pirata Zine
Cultura e Humor
ano 4 – ed. nr. 101
por Pirata Z
Esta edição foi produzida ao som de Makely Ka, que, com seu novo trabalho, “Autófago”, promoveu uma verdadeira ‘revolusom’ – a saber: gravou o disco, mas, em vez de vendê-lo, disponibilizou-o, integral e gratuitamente, em seu blogue, pedindo às gentes que decorassem as letras, pra cantá-las nos chous. Semana passada, em BH, lotou o Teatro da Biblioteca. Artista independente é isso, não o que gravadoras falidas e gente culturalmente colonizada chama de indie...
Neste disco, poética e sonoramente, Makely se nos revela em carne viva – e assim ficamos, após ouvi-lo.
Pirata Z é jornalista e escritor.
Edita há três anos a Pirata Zine
Dica de Disco
Publicado no Jornal do Brasil – Caderno B
Sexta, 16 de maio de 2008
por Tárik de Souza
cadernob@jb.com.br
cadernob@jb.com.br
"Eu gostaria que alguém viesse aqui dizer `Glauber Rocha é um canalha', que eu coloco no ar". Quem fala não é um de seus detratores, mas o próprio cineasta, em trecho sampleado do programa Abertura (TV Tupi, 1979), que integra a faixa Cérebro na cuba. Há ainda intervenções do venezuelano Hugo Chávez em Não se meta, do mexicano subcomandante Marcos em A outra cidade e até do russo Maiakovski, declamando aos operários seu poema A extraordinária aventura, em 1920 (O meteoro). Tais convidados involuntários pontuam o explosivo (em textos contundentes e guitarras roncantes) Autófago, que o mineiro Makely Ka lança em formato CD e também coloca na internet (www.makelyka.com.br). Além da politização, o disco do fundador da Cooperativa de Música de Minas e primeiro de seu estado a conseguir na Justiça desvincular-se da Ordem dos Músicos do Brasil trafega também por astronomia, mitologia grega e genética. Rodopia no coco (Sorôco), cita a bossa Maria Moita (Reator) e dialoga com o vanguardista Itamar Assumpção (Desliguem os aparelhos celulares).
Tárik de Souza é jornalista e crítico musical
Makely Ka é um dos destaques da Mostra de Arte Mineira
Poeta piauiense apresenta versão compacta do CD 'Autófago' na quinta-feira no Sesc Pompéia, em SP
Publicado no jornal O Estado de São Paulo
20 de novembro de 2008
por Lauro Lisboa Garcia
SÃO PAULO - O poeta Makely Ka, piauiense que fixou residência em Belo Horizonte, entrou na música por força dos versos que escreve. Parte significativa de sua produção está no perspicaz CD Autófago, do qual faz uma versão compacta no show de quinta-feira, 20, dentro da Mostra de Arte Mineira Contemporânea, no Sesc Pompéia. A cantora Érika Machado e o projeto de música eletrônica Indiana Magneto são as outras atrações da noite.
No encarte do disco, que ele também disponibilizou todo na internet, Makely avisa que o CD é apenas o suporte do conteúdo musical, que é o que realmente importa. A música, porém, é o veículo para algo ainda mais importante: sua poesia. Exceção no pop-rock atual, em que muito se fala, mas pouco se aproveita, Makely brande idéias de conteúdo político, sexual, existencial, descreve paisagens urbanas cinzentas com traços secos, como o caos de fios elétricos embaraçados que ilustram a capa e o encarte do CD em preto-e-branco.
A sonoridade musical adequada para suas letras reflexivas é pesada, com rock, reggae, coco, funk e afins se alternando em seqüência sem intervalo entre as faixas. "Não tenho formação musical, venho da poesia. A partir de quando comecei a musicar os poemas que fazia, surgiram convites para parcerias. As pessoas me mandavam melodias para colocar letra e isso quase que virou a minha profissão", diz Makely. "Acho que há uma escassez de letristas no mercado e a gente acaba tendo de se desdobrar."
Em outros tempos, Makely seria classificado de "maldito", como o foram Walter Franco, Jards Macalé e Itamar Assumpção (1949-2003), dos quais se ouvem ecos inspiradores, como os de Arnaldo Antunes, em algumas faixas, como Endoscopia, Sorôco e O Meteoro. Autófago é um bom exemplo com versos como: "Eu me alimento da carniça do meu pensamento.../ Eu me deserto quando seca o lacrimejamento/ E me rebento quando aborto meus renascimentos".
Conterrâneo do tropicalista Torquato Neto (1944-1972), Makely o tem como uma das referências mais fortes. O outro é o paranaense Paulo Leminski (1944-1989). Deste ele absorve a ironia e certa influência da cultura oriental. De Torquato, a inspiração da personalidade artística, de articulador. "Os dois se colocavam com muita paixão em tudo o que faziam."
Se o inconformismo na democracia de hoje não tem o peso do risco nos tempos da ditadura, há outros oponentes a combater. Makely, de extenso currículo artístico, também é articulado nesse sentido. Foi ele um dos idealizadores do projeto Reciclo Geral, que deu ares de movimento aos jovens músicos independentes mineiros em 2005. Duas cantoras dessa geração, Patrícia Rocha e Maísa Moura, participam do CD, uma teia nervosa de metáforas e invenções.
Lauro Lisboa Garcia é jornalista e crítico musical
Autofagia – Maturidade como consciência de si.
Publicado no site Overmundo
9 de outubro de 2009
por Magno Córdova
Comentar o Autófago é quase que fazer uma checagem do corpo de Makely. Antropofagicamente, devorar cada órgão, cada célula, cada partícula. Como na esfinge, “me decifra ou te devoro”. Na audição do disco, conceda-se à devoração. “Não há saídas”, diria Itamar Assumpção, por mais que a idéia de antropofagia na canção popular seja hoje corriqueira. O Autófago vem colocá-la em evidência sob nova ótica: devoro-me a mim mesmo, pleonasmo meu e questão muito bem posta - poética e musicalmente - pelo artista. Proposta nada egocêntrica, como poderiam pensar os apressados, já que sugerida também àqueles que queiram apreendê-lo, ouvidos e coração atentos e abertos. Para tanto, “desliguem os aparelhos celulares”, dirá, por sua vez, Moreno, filho de Makely com a cantora Maísa Moura. Pois, até mesmo a presença desse filho recém chegado, na faixa de abertura do disco, me pareceu plena de significados. Todavia adianto: Autófago não é um disco de canções de ninar.
Sobre o que ouço, permito-me um delírio sócio-filosófico que pode ser considerado pedante, como tantos delírios dessa natureza: no universo das questões relativas ao que seja Brasil, sob o fio da canção popular, o Autófago soa como signo de maturidade retomada: não me refiro a do artista em questão, a meu ver ascendendo em permanência; me remeto à canção realizada no Brasil e – por que não? – estendo essa minha impressão ao estado de coisas do país. Não se trata de “retomada de linha evolutiva”, fórmula falastrona e presunçosa dos que ainda a professam. Digo do reconhecimento da consciência de que somos o que somos. Penso, por exemplo – e paradoxalmente –, em um Paulo Leminski ciente da isonomia dos egos: “isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”, estampada em bela camiseta que me foi presenteada, há anos, por Renato Negrão, parceiro musical de Makely. Portanto, maturidade aqui quer dizer consciência de si.
Por outro lado, pra além do pilar antropológico de biombos/mediações culturais, é preciso que se diga: a generosidade de Makely extrapola o objeto autoral que lhe pertence. Ela – essa generosa iluminação – está na postura com que, como um aedo andarilho, ele percorre o território do país carregando nas costas, literalmente, um volume de voz de gente e de instrumental diverso que, compactado, leva a cantar e tocar, onde quer que se encontre. Música que adota e aplica, que representa e lança, onde caminha e troca. E essa nobreza é incomum. Ele é nobre na relação com os pares.
Adiante disso, o que me fascina e causa incômodo são especialmente as canções do Autófago que me lançam em introspecção. Uma introspecção não melancólica, é bom que se diga. E isso – o incômodo –, de aparente contradição, é um bom sinal entre os critérios que considero em minhas audições. Justamente para o que parece ser um contraponto, ou uma dimensão individual daquela nobreza de que falei anteriormente. Há, como disse, canções no Autófago que me levam pr’um lugar que, involuntária e episodicamente, pratico; que só algumas canções são capazes de ativar em mim. Espaço do qual, no entanto – e, pela razão alegada -, não possuo o menor controle de onde se situa. Um lugar que não é familiar, mas é íntimo. Que não é estranho, mas misterioso.
“Plutão” é distante, penso. Será esse o lugar? A crer no que me ocorre quando ouço a canção de Makely com esse nome, sim. Melodicamente intimista, o texto de “Plutão”, por sua vez, é capaz de nos ensinar que não é tão grave assim viver só. Ser só, aqui, não constitui uma apologia à solidão, ao abandono, ao isolamento. Ao contrário, em sua leitura do ser só, Makely se reconhece no outro, na certeza de que o outro está, apesar de ausente. E tal ausência não causa qualquer transtorno: “não sinto mais falta de ar se você não vem”, “eu fico bem”. É essa identificação (ou seria mais apropriado pensar identidade?) que destaco do Autófago. É por aí que a evoco – a “Plutão”, de Makely – que, a meu ver, contribui para repensar as fronteiras ideológicas que historicamente apartam em dicotomias o indivíduo e o coletivo. Alguns poderiam dizer tratar-se de “antagonismos em equilíbrio”: “agora até mesmo quando bebo água a mágoa dessa sede me satisfaz”. A sonoridade de “Plutão” – mais precisa impossível – arremessa, no entanto, pra além do planeta, praquele canto misterioso de que falei, parte do exercício da introspecção.
Assim, também, me afeta “Equinócio” (que sacada sensacional do Rio das Velhas), de sonoridade intrigante e poesia no mesmo pé: quanta musicalidade reunida em vozes, texto e instrumentos. Quanto som “incômodo”, instigante. Quem disse que a noção de harmonia necessariamente mantém as coisas no lugar, em equilíbrio?
Mas não creio que seja o caso de transformar este comentário numa burocrática receita de audição, enumerando referências musicais e filiações poéticas que as canções do disco Autófago me sugerem. Considerando as renovadas descobertas que cada escuta me traz – e “Autófago”, a canção, de marcante registro vocal e instrumental, é rica nisso –, aconselho o compartilhamento dessa com a experiência de quem o queira. Digo, pra ilustrar, que ouvir o disco do Makely às vezes bate como caminhar num final de tarde e de chuva de um sábado da adolescência pela rua da Bahia até a avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. Numa época em que o Cine Metrópole ainda existia. Não dá pra sair ileso.
PS 1: creio ser oportuno dizer que o Autófago emparelha com O barulho do sol do meio dia, de Marcus Dias e Pantico Rocha, como dois dos discos mais ouvidos por mim nos últimos tempos;
Magno Córdova é pesquisador de música brasileira e escritor
O roque brasileiro dando outro passo à frente
Publicado no blogue Sobre a Canção
http://tuliovillaca.wordpress.com
Sábado, 28 de abril de 2012
Por Túlio Villaça
Na virada da década de 1970, o Brasil era um país predominantemente rural – mais de 50% da população ainda vivia no campo. Makely Ka nasceu depois, quando a maior parte destas pessoas já havia se encontrado nas cidades. O processo do êxodo rural trouxe para a selva de cimento, compartilhando bairros e favelas, gente de origens e culturas diferentes, postas em contato entre si e com o mundo externo pelos meios de comunicação de massa a que passavam a ter acesso. Este processo teve marchas e contramarchas, movimentos diversos: Tropicália; a turma que foi chamada Nordeste 1970 (Alceu, Elba e Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Ednardo, Belchior, Vital Farias), uma música que veio com os migrantes; BRock dos anos 1980; Mangue Beat. Cada uma destas ondas se apropriava de mais um elemento para fazer, fundamentalmente, canção popular, música urbana.
Makely Ka é um urbanoide, é um não roqueiro brasileiro que fez um álbum de roque (com esta grafia mesmo). É também descendente direto, resultante de cada um dos movimentos que citei acima. Makely faz música urbana em seu sentido estrito: música da urbe, do encontro de heterogêneos, de tradições muito diversas entre si que se modificam e se fundem em novas. Assim como cada um destes movimentos, ele promove em sua música a atualização dos elementos que vieram à cidade (não apenas) nas últimas décadas, seja “de dentro”, seja “de fora”, e a formata a partir destes encontros.
Makely traz em sua identidade o território da cidade, chama a responsabilidade para si. Eu vim lá da Bahia de mucama com feitor: (Maria Moita, letra de Vinícius de Moraes para Carlos Lyra, citada em Reator). A herança cultural diversificada se condensa na figura individual, a História se passa nas pessoas. Makely canta frequentemente na primeira pessoa: como a geração BRock cantava eu uso óculos, a gente somos inútil, Makely, canta eu não sou índio, não sou negro, eu não sou branco, definindo-se pela negação e recusando categorizações e estereótipos; eu me alimento da carniça do meu pensamento – a autofagia como um corolário da antropofagia, sua radicalização.
A identidade estilhaçada da cidade deixa emergir novas pluralidades. Por Makely não ser nada especificamente, sua música pode ser tudo, e efetivamente nela, sob a capa do rock e da programação eletrônica, tambores de congada, coco e outros batuques diversos são nitidamente audíveis. A autofagia é como uma segunda fase da antropofagia: a autodeglutição, a segunda digestão, segunda assimilação. O que chegou à cidade formou novas linguagens, e agora estas linguagens tornam a se fundir, gerando uma segunda música urbana, reouvida, reprocessada. A urbe se torna metrópole, e esta megalópole.
Embora a virulência de letras e arranjos, mais da metade das faixas se inicia apenas com um violão, como muitas das gravações dos Novos Baianos, dos primeiros a percorrerem este caminho, da Bahia para uma cobertura em Botafogo e daí para um sítio em Jacarepaguá. Makely é mineiro, e tem portanto sua própria carga cultural, seu próprio viés, que inclui Guimarães Rosa (Soroco), mas também o movimento punk, descascando sua cópia barata em Punk de Butique. Inclui nas gravações as vozes de Glauber Rocha, Hugo Chavez, Subcomandante Marcos, bem a propósito (VER DE QUEM É): Queremos dirigir umas palavras especiais para os que vivem e lutam e morrem nas cidades.
Makely conta, em entrevista ao jornalista Pedro Alexandre Sanches, que ao tocar a canção A outra cidade na TV Minas, a TV de cultura do estado, e dedicá-la ironicamente ao governador Aécio Neves, tornou-se persona non grata no jornalismo da emissora. A outra cidade soa como uma resposta a A cidade, de Chico Science. Se antes Makely corporifica a territorialização, agora faz o caminho inverso, territorializa o corporificação, e explicita, militante: a cidade de que fala não é a homogeneizadora, higienizadora, máquina de moer gente. É a outra, a que sobrevive a esta. Ele fala dos sobreviventes das cidades, e das cidades sobreviventes.
A música de Makely Ka é um passo à frente nesta história. Um retrato do estado da urbe, da música urbana que Renato Russo cantou, no meio do caminho entre a Tropicália e o Mangue Beat. No MySpace, Makely afirma dialogar com nomes como Itamar Assumpção, Paulo Leminski, Jorge Mautner, Torquato Neto, Tom Zé, Waly Salomão e Jards Macalé. Em comum, a origem tropicalista da maioria, aliada à tremenda dificuldade de classificação de suas obras, à independência total de suas criações, à capacidade de se manterem sempre em movimento. São boas referências na selva de concreto. Um passo à frente, e você não está no mesmo lugar, cantou Chico Science. Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar, cantou Siba. A cidade avança, e também sua música.
P.S. Além da atividade estritamente artística, Makely também tem uma atuação política em defesa dos interesses da classe artística, da atualização do direito autoral, entre outras coisas, que está intrinsecamente ligada à sua música, e igualmente interessante. Apenas me relatei aos aspectos apenas musicais aqui, por questão de foco. Mas a visita ao sítio dele vale por isso também.
P.S. Além da atividade estritamente artística, Makely também tem uma atuação política em defesa dos interesses da classe artística, da atualização do direito autoral, entre outras coisas, que está intrinsecamente ligada à sua música, e igualmente interessante. Apenas me relatei aos aspectos apenas musicais aqui, por questão de foco. Mas a visita ao sítio dele vale por isso também.
Túlio Villaça é músico e escritor